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segunda-feira, abril 25, 2005

O Olhar do cameraman e o olhar do realizador

Este texto foi escrito como matéria de discussão para um curso sobre Fotografia do Documentário, dado por Adrian Cooper na escola Dragão do Mar em 1997-Brasil

Panorâmicas e travellings óbvios não correspondem aos movimentos naturais do olho. É como separar o olho do resto do corpo. Não se deve usar a camera como uma vassoura! (Bresson)
A advertência de Bresson é muito útil porque nos faz pensar sobre a maneira como o operador de camera compõe seus planos, os movimentos que faz com a camera, a utilização do zoom e a escolha dos ângulos. Também levanta a questão da presença da camera. Quando vemos um filme caseiro, feito por um amador, em geral notamos o uso excessivo do zoom, a falta de estabilidade da camera, os saltos e as panorâmicas rápidas demais entre um plano e outro, que não dão tempo para que o espectador perceba o que está vendo. Essas falhas são bastante comuns.
O tempo de uma cena na tela é diferente do tempo (subjetivo) da pessoa que está filmando a cena. O olho e o cérebro de quem filma absorvem a informação da cena muito mais rapidamente do que a platéia, podendo resultar em planos curtíssimos, movimentos vertiginosos, frustração e inclusive náusea quando o filme é mostrado. A platéia precisa de tempo para reconhecer os imagens, absorver a informação e refletir sobre ela. A enxurrada de imagens e a montagem rápida característica dos videoclipes tem mais a ver com a estimulação do nervo óptico e a excitação de certos áreas do cérebro do que com a compreensão e a reflexão que o filme documentário busca promover. Não use a camera como uma vassoura, diz Bresson, referindo-se às panorâmicas que varrem a cena, não permitindo que se veja os detalhes. E poderíamos acrescentar, não use o zoom como um trombone, aproximando-se e afastando-se da cena depressa demais, mudando constantemente a relação com o sujeito. O operador de camera precisa estar sempre atento ao 'tempo de tela', esteja ele usando um tripé, um dolly ou com a camera na mão. Isto é especialmente importante quando estamos tentando filmar de modo a não chamar a atenção para a presença da camera.
'Presença da camera' quer dizer 'presença do realizador'. Essa questão da invisibilidade da camera (realizador) tem sido um ponto de discussão e polêmica desde os primeiros tempos do documentário. Num certo sentido, estamos sempre conscientes da presença da camera, mas, dependendo da 'maneira' como filmamos, pedimos à platéia que esqueça isso. Embora seja mais comum que o realizador permaneça invisível, alguns realizadores preferem acentuar a presença da camera e da equipe.
Os movimentos de camera são extremamente subjetivos e pessoais. Certas coisas pedem determinados movimentos, outras não. Não existe um jeito 'certo', embora existam algumas regras (que sempre dá para quebrar) que podem nos ajudar a encontrar uma abordagem pessoal: - Cada movimento deve ter um motivo. Nunca movimente a camera sem razão. - Sempre movimente a camera com 'intenção' (ela deve ir de um lugar especifico para outro) - Se possível, deixe que o movimento expresse uma qualidade inerente ao sujeito que está sendo filmado. - Movimentos 'revelam' (ou escondem, que é outra forma de revelar). Perceba o que está sendo revelado. - Movimentos podem juntar ou separar coisas. Perceba o quê e como! - Movimentos nos aproximam ou nos distanciam do sujeito. Esteja consciente do que você pretende e porquê. - Dê ao movimento o ritmo da seqüência ou o tempo do sujeito. - Acima de tudo, os movimentos de camera 'envolvem' o espectador na cena. Esteja consciente do 'tipo' de envolvimento que você deseja.
Os movimentos de camera são uma coisa. Os movimentos do operador e o reposicionamento da camera são outra coisa muito diferente. 0 fotógrafo muda de posição para criar novas sequências, novos pontos de vista. A maneira como ele faz isso, as escolhas que ele faz, irão determinar o 'fluir', a construção e a 'cara' da seqüência editada. Decidir quando mudar de posição também é uma decisão importante, especialmente se isso significa interromper a ação. Multas vezes, especialmente quando filmando com a camera na mão, o fotógrafo tem uma tendência natural para filmar a ação em uma única tomada. Isso funciona quando se repete a ação várias vezes, a partir de diferentes ângulos, como num filme de ficção. Num documentário, porém, isso raramente é possível, a não ser que se use duas cameras. Uma única tomada longa invariavelmente significa que o editor não terá escolha de como editar a seqüência ... ele é obrigado a usar aquele plano. Ele pode usar só partes do plano, mas terá dificuldades, pois todas elas têm o mesmo ângulo e o mesmo enquadramento. Uma maneira de resolver o problema é filmar planos de cobertura; planos de outras pessoas que estão presentes ou de ações que estariam acontecendo simultaneamente mas são filmados mais tarde, etc. 0 fotógrafo também pode movimentar a camera durante o plano, fornecendo assim, vários pontos de vista alternativos (mas precisa ter cuidado para se movimentar apenas durante os momentos que não são essenciais).
Ele precisa compor mentalmente, enquanto trabalha, uma possível seqüência montada e lutar para encontrar os planos necessários. Precisa saber o momento de cortar, quando mudar seu ângulo de visão, quando chegar mais perto e quando recuar. Precisa pensar como seus planos irão se juntar e lembrar o que já filmou e o que ainda precisa ser filmado.
O operador de documentário é o outro olho do diretor, mas também precisa ter a alma de um editor.